Para algumas pessoas, pode não ser uma grande surpresa ver a Netflix se envolvendo em produções polêmicas. Quem tem memória boa irá lembrar da revolta dos cristões com A Primeira Tentação de Cristo, filme brasileiro produzido pelo canal Porta dos Fundos que gerou centenas de cancelamento de assinaturas e até um pedido de boicote de alguns usuários.
De tempos em tempos, esse padrão se repete com produções como 365 Dias e séries explicitas como Elite. A vermelhinha parece ter a fórmula perfeita para continuar em pé enquanto continua “causando”. Mas o que pensar sobre essa estratégia quando um filme não foi construído através desse viés?
É uma pergunta que o novo filme Blonde da plataforma está gerando na cabeça de algumas pessoas. O longa dirigido por Andrew Dominik é um filme biográfico da grande estrela de hollywood, Norma Jeane Mortensen, conhecida famosamente como Marilyn Monroe.
Baseado na obra de nome homônimo escrita por Joyce Carol Oates, o longa veio com a proposta de dar uma releitura fictícia da vida da atriz, cantora e modelo de sucesso da Era de Ouro de Hollywood que faleceu em 1962.
Porém, o filme finalmente saiu e está sendo duramente criticado por não conter disclaimers em cenas violentas, nudez desnecessária e explorar a imagem de Marilyn com a desculpa da “liberdade criativa” proporcionada pelo diretor.
Entenda os abusos apontados pela crítica
Em Blonde, o audacioso diretor Andrew Dominik reinventa a biografia de uma das musas sex symbols mais conhecidas através do romance de mesmo nome da autora Joyce Carol Oates. No papel de Marilyn, Ana de Armas (Água Profunda, Entre Facas e Segredos) é quem personifica a famosa atriz e modelo que morreu aos 36 anos ao lado de atores como Adrien Brody, Bobby Cannavale e Julianne Niholson do elenco.
A produção em seus trailers iniciais deu a entender que Blonde daria a audiência algo parecido com o que tivemos com Elvis: um olhar aguçado sobre o sucesso de uma figura notória das décadas 50 e 60, com aquela famigerada pitada de romantização e um olhar demonstrando as problemáticas que vem com a fama.
Os críticos no entanto estão apontando que o resultado final é um recorte exagerado, desrespeitoso e extremamente longo que não se preocupa em apresentar a pessoa ‘Marilyn Monroe’, apenas seus supostos traumas, supostos abusos, supostos casos com celebridades e uma suposta dor presente em cada intervalo de trinta segundos do filme que não dá trégua ou paz para conhecermos a pessoa por trás de uma figura tão marcante da história.
É importante lembrar que a obra de Joyce Carol é apenas fictícia e que não contrasta com a realidade criativa usada pela autora para recontar quem Marilyn foi em vida. O que significa que cenas que indicam os traumas, a relação sexual com Charles Chaplin (filho de Charles Chaplin) e outros homens moram apenas no imaginário da autora, algo que pode ser difícil de apresentar com o teor “biográfico” que o filme tem.
Apesar da boa atuação de Ana de Armas como Marilyn, digna de um Oscar pela sua interpretação, fãs e pessoas especializadas da indústria estão apontando a arrogância de Dominik demonstrada em entrevistas onde o diretor disse frases polêmicas e machistas à respeito de Marilyn e a própria nudez presente que ultrapassa barreiras e levanta discussões importantes.
A própria Ana de Armas saiu em defesa do filme junto de Brad Pitt, que produziu o filme, ambos defendo a imagem que o diretor gostaria de repassar para a audiência.
Por que homens podem ser humanizados e mulheres fetichizadas?
“Somos obcecados por garotas mortas e serial killers”
A polêmica envolvendo o filme de Dominik levanta uma velha questão já explorada por outras pessoas com outro diretor de renome em Hollywood: David Lynch.
O cineasta e criador da série de sucesso dos anos 90, Twin Peaks foi apontado como alguém que gosta de “fetichizar” a dor feminina por meio de personagens como Laura Palmer, Diane e Rita, e Susan Blue.
Mas Lynch nunca abordou essas críticas porque sempre foi um artista que deixa a audiência interpretar suas criações à sua própria maneira, algo que contrasta com seus filmes que não possuem respostas sobre seus significados.
Enquanto a resposta para um em meio a críticas é ambígua, para outro essa característica não importa. Nas palavras do diretor de Blonde, a audiência podia não assistir ao filme se preferisse e resumiu Blonde como um filme de “p*tas bem vestidas”.
Devido a essa fala, temos que voltar para o filme Elvis, que também estreou esse ano e nas diferenças que Hollywood decide ver os mesmos tipos de produções com abordagens semelhantes de uma maneira diferente.
Enquanto de um lado, Marilyn é fetichizada, enfrenta dores e tem a fama, do outro Elvis tem a fama, tem o glamour e seu lado humanizado explorado do início ao fim.
Por que há essa diferença? Por que Hollywood deixa filmes como Jackie e Spencer, que rondam momentos traumatizantes para contar a história dessas grandes mulheres chegarem ao cinema e filmes como Elvis têm que passar a imagem de que um Rei do Rock era desejado e de que estava bem com isso?
A resposta clara é que mesmo após a ascenção de movimentos como o Me Too e a busca por representatividade não conseguiu ainda derrubar a essência do machismo Hollywoodiano que é punitivo com mulheres, mas compreensivo com homens que roubam músicas da cultura afro-americana.
Outra resposta clara para todo esse alvoroço é que Hollywood possui uma fixação em dar histórias sobre fatos acontecendo com mulheres apenas para homens ao invés de mulheres que entenderiam melhor a proposta visto que são mulheres.
Devido a repercussão do filme, Emily Ratajkowski, modelo e atriz, criticou o filme dizendo não estar surpresa com a fetichização da dor feminina já que a audiência, no geral, é obcecada com produções envolvendo garotas mortas e assassinos em série.
Emily claramente se referenciou a série de sucesso Dahmer: Um Canibal Americano produzido e dirigido por Ryan Murphy para a Netflix.