Comecei a fazer esse texto porque arreguei: as fases finais de Samsara estavam tão complicadas que resolvi ser produtivo e escrever sobre o game. Para mim, um bom jogo de puzzles tem que fazer o jogador se sentir muito inteligente, mas logo depois mostrar que ele é burro pra caramba. Na produção do estúdio Marker Limited, essa premissa é válida e vem acompanha de diversas referências.
Assim como muitos jogos renomados do gênero, o indie em questão é feito de simplicidade: o jogador controla Zee, um menino perdido no mundo dos sonhos de Samsara e que deve construir caminhos para sair dali. Acredite se quiser, não é necessário mais do que isso para se divertir e matar o tempo com o game.
Samsara vai direto ao ponto: é bom de puzzles e bonito de arte
O gameplay gira em torno dos puzzles com escadas e blocos: o jogador tem o tempo que quiser para alinhar os objetos para que Zee alcance um portal e vá para outro nível. A simplicidade dos elementos pode acabar deixando a mente do jogador confortável, mas quanto mais Zee adentra nas entranhas de Samsara, mais desafiadores ficam os quebra-cabeças.
Com o passar do tempo, o jogo apresenta uma variedade de objetos, materiais que reagem de forma diferente à física do jogo e diversas combinações possíveis, o que torna mais difícil achar o “jeito certo” de levar Zee embora de Samsara.
Outra mecânica apresentada logo no início é o “mundo invertido”, onde uma versão negativa de Zee também deve ser levada até seu próprio portal. Isso deixa tudo ainda mais desafiador, já que os objetos são espelhados e influenciam em ambos os caminhos.
Samsara é uma bela mistura
de Limbo com Stranger Things
Se você achou tudo bem parecido com algo que já viu, não é coincidência. Segundo Alex Humphries, produtor sênior do game, Samsara surgiu de protótipos de jogos de puzzle envolvendo viagens no tempo e mundos divididos (Braid e Stranger Things intensifies).
“Com o andar do desenvolvimento, nos apaixonamos pelas mecânicas e, na verdade, sentimos que um mundo refletido inverso funcionava melhor”, explica o produtor, que liderou um time de oito pessoas que fizeram o game.
Com um menino carismático, jogabilidade de puzzles e um mundo espelhado em mãos, os desenvolvedores pegaram referências vindas de games como Limbo e séries como Stranger Things, misturaram com conceitos budistas e voilá, nasceu Samsara.
Durante o gameplay, é comum parecer que estamos controlando Will Byers de capuz tentando sair do mundo invertido junto com o guri de Limbo. Os cenários surreais e obscuros, principalmente na fase da cidade, e os tentáculos espinhosos de Samsara deixam tudo ainda mais intenso e próximo de suas inspirações.
Mas afinal, o que é Samsara?
Apesar das referências, a história só está ali pra mover o game: você está num sonho muito louco e precisa sair dali. Porém, é possível aprender algo com Samsara saindo de dentro do jogo.
Durante uma das minhas pausas após horas tentando passar uma fase, resolvi pesquisar sobre o conceito de Samsara, o que adicionou uma camada extra de interpretação ao game.
Samsara é uma palavra da língua sânscrita utilizada em correntes filosóficas para representar o “fluxo incessante de renascimentos através dos mundos”. No geral, é o caminho de aprendizado que trilhamos na Terra, com dores, tristezas e erros a serem superados. Para o budismo, é possível atravessar o Samsara ao alcançar o Nirvana, não a banda, mas um estado mais alto de auto-conhecimento e clareza mental.
No game, a metáfora está presente a todo momento. Os sonhos de Zee são cheios de elementos surreais e obscuros, representando os sofrimentos carregados pelo menino e sua parte negativa. A resolução de puzzles mostra o caminho do garoto para aceitar isso, “acordar desse sonho” e superar esse estado espiritual.
É interessante que, graças ao gênero do game, possivelmente o jogador vai experimentar parte dos conceitos. O Carma, um dos principais termos do budismo, representa as ações e suas consequências, algo que está presente em vários momentos, afinal, colocar uma escada no lugar errado pode estragar todo o caminho de Zee.
A meditação, uma das principais práticas do budismo, também é altamente recomendável, afinal, você vai ficar pistola em diversos momentos por causa dos puzzles de Samsara.
Uma experiência excepcional no smartphone
No total, o game conta com 9 estágios, cada um com no mínimo 8 fases, o que garante uma boa quantidade de gameplay. Graças as mudanças na jogabilidade e os belos visuais, o jogo não se torna tão repetitivo, mas você possivelmente vai dar algumas pausas para não quebrar nada de raiva e para evitar a fadiga mental.
Os puzzles desafiadores e as diversas camadas de conteúdo tornam Samsara uma experiência válida em todas as plataformas em que está disponível, na Steam, no Xbox One, com suporte ao Xbox Play Anywhere, e também nos smartphones.
Jogar Samsara numa tela sensível ao
toque é bem melhor do que no joystick
A versão mobile, porém, se destaca das demais pela adaptação dos controles. Como a jogabilidade se baseia em mover e girar objetos, jogar Samsara com um mouse ou numa tela sensível ao toque é bem melhor do que no joystick.
Além dos controles, o estilo de Samsara torna o game perfeito para fazer companhia a outros títulos de sucesso no mobile, como a franquia Monument Valley, que venceu o Game Awards ano passado. Ter puzzles inteligentes para resolver em lugares como o ônibus, na fila do mercado ou até no banheiro, é um grande ponto positivo para a versão de smartphones.
Para fechar com chave de ouro, Samsara também possui fases gratuitas para smartphone. Na versão de Android e iOS, o jogador pode aproveitar gratuitamente os dois primeiros capítulos do game.
Apesar de ser um game bom, o título está custando quase 60 reais no Xbox One e cerca de 30 pilas na Steam. Se você quer pegar o game em outra plataforma que não seja o celular, basta esperar, pois é certo que Samsara terá grandes descontos no PC e será oferecido para os assinantes do Xbox Game Pass/Xbox Live futuramente.
Para quem curte puzzles, Samsara será uma experiência incrível. Para quem não acompanha o gênero, saiba que o game cumpre o que promete e consegue oferecer uma jornada enigmática de beleza e confusão (mas existem jogos melhores por 60 reais).