A sexta temporada de Black Mirror chegou na Netflix com cinco novos capítulos, número maior do que os últimos três da temporada anterior, e inferior às duas anteriores a essa; o que, ao mesmo tempo é bom, mas reflete na tática de diminuição que os streaming tem incorporado para várias de suas produções como forma de aumentar o consumo do que é assistido pelos assinantes.
Os cinco episódios focam em cinco antologias: Joan is Awful/Joan é Péssima, Loch Henry, Beyond the Sea/Além do Mar, Mazey Day e Demônio 79. No primeiro, uma mulher fica chocada ao descobrir que um streaming famoso está recriando sua vida através de uma série. No segundo, um casal decide criar um documentário sobre um assassinato ocorrido em uma cidade abandonada pelo turismo. O terceiro episódio fala sobre dois astronautas que precisam conviver numa mesma nave enquanto seus “corpos” estão na terra. Já o quarto e o quinto, respectivamente, apresentam a história de uma celebridade perseguida por paparazzis e a de uma moça que precisa matar três pessoas antes da meia-noite para evitar o fim do mundo.
Do normal até o bizarro, os episódios entram com plots que tocam a atmosfera tecnológica com uma pitada de exagero. Apesar de ser uma tática intencional, a série britânica faz isso de uma forma inteligente: ao se propor em abordar temas futuristas, de alguma forma, suas histórias refletem temas atuais do presente, refletindo o que vemos na tela para o mundo real onde esses “controles” estão em predominância. É como um futuro que está logo ali, essa é a definição perfeita.
Sempre que há uma nova temporada de Black Mirror na Netflix, existe aquela expectativa do quanto a série será capaz de nos surpreender, e é sempre um alívio quando ela possui a habilidade de nos fazer isso logo de cara, com tramas que soam tão malucas que fazem com que perguntemos: será que outra produção ousaria abordar determinado tema dessa forma? É algo que torna Black Mirror única e que sustenta a fama que ela mantém até os dias de hoje. Não a toa, nos quatro anos em que entrou em hiatos, a falta da série foi sentida pelo público, pela crítica e pela própria NETFLIX que não pôde lucrar com a série nesse meio tempo.
Dito isso, Joan is Awful não é uma má escolha. A história pega rápido, apresentando a história de uma mulher aparentemente ruim recebendo exatamente aquilo que merece, algo que sentimos com primeiros episódios anteriores como Rachel, Jack and Ashley Too da quinta temporada e Nosedive da terceira. A diferença é que aqui, quando chega a hora de torcermos para que a personagem principal se dê bem, existe uma pegadinha, pois sabemos que Joan não é flor que se cheira, além de também não ser o pior ser humano do mundo. Fica a cargo do público desejar que ela se ferre cada vez mais ou que a injustiça colocada sobre ela seja corrigida logo.
Essa diferença que a série aborda em seu primeiro episódio perdura pelos capítulos restantes, mas com uma ambientação similar. Sim, já que cada história é diferente uma da outra, é quase contraditório dizer que existe uma linha ou segmento que a temporada queira passar. Ainda assim, parece que a série está um pouco mais pé no chão, com tramas que soem mais naturais. É como assistir a qualquer outra série.
Porém, não se engane. Apesar das reclamações de uma parcela da audiência que a série tenha se afastado da tecnologia aquém da nossa realidade, está tudo aqui; o Quantucomputador em Joan is Awful e a tecnologia capaz de conectar astronautas a que deixaram a terra para uma missão no espaço são uma prova disso.
De um ponto de vista geral, a série sempre foi sobre tecnologia de alguma forma. Desde o seu primeiro episódio, quando apresentou uma trama onde o Primeiro Ministro fez uma correria para salvar a princesa, o tema estava ali, mesmo que de forma tímida em aparelhos celulares, câmeras e computadores que reverberavam a notícia. Contanto que estejamos lidando com a tela escura, com a lente capaz de transportar nossas essências para um mundo que é, ao mesmo tempo, real e irreal, está valendo, e essa é a delícia da série.
Porém, se alguém tiver algo a reclamar e estiver sentindo falta da “velha Black Mirror”, basta escolher Beyond the Sea na hora de assistir. O episódio fala de tantos assuntos, toca tantas esferas da nossa natureza humana, e da tecnologia inumana também, que é um prato cheio do que pode ser chamado de “parece um episódio de Black Mirror”.
Algo que certamente não mudou, nem muito menos foi diluído nessa temporada, é a crítica social. A série continua a alfinetar temas pertinentes da vida. Insatisfação geral. Crise existencial. Fama, tribunais da internet, sexualidade e identificação. Essa não é uma produção para quem acredita que a agressão a minorias é um tema que deve ser deixado de escanteio e traz isso diversas vezes ao ponto de escancarar, o que pode ter irritado a parcela insatisfeita.
O que impressiona em algo que pode ser dito sobre Black Mirror é que nunca se vê comentários sobre a atuação. É raro ver alguém falando mal das atuações do elenco, seja ele grande ou pequeno, e existe um motivo para isso: a série é bem produzida e tem uma direção que realmente se preocupa com os detalhes. Detalhe que Anjana Vasan de Demônio 79 certamente se destacou. A atriz arrasou no papel de uma vendedora de sapatos que fica diante de uma escolha difícil e roubou a cena mais para a metade do final do capítulo. É algo notável e que certamente rouba a cena em uma temporada onde temos Salma Hayek no primeiro episódio.
Quando uma série se propõe a inovar e renovar aquilo já a torna boa, não existe muito mais o que falar sobre ela, e escolher rechaça-la por continuar com o seu mecanismo é uma doença de consumo que nos tornou exigente e famintos por algo que ainda nem foi inventado. Essa característica poderia facilmente ser tema de um episódio de Black Mirror e, perceber que isso é uma verdade, torna a série ainda mais perfeita do que ela já é.
Série: Black Mirror
Criador: Charlie Brooker
Elenco: Aaron Paul, Anjana Vasan, Zazie Beetz, Salma Hayek
Nota: 10,00
As seis temporadas de Black Mirror estão disponíveis na Netflix.