LIS 2 fala de xenofobia, racismo e é um tapa na cara dos EUA | Life is Strange 2

Redator Pixel

Se o primeiro jogo de Life is Strange (LIS) foi corajoso abordando temas como homossexualidade, drogas, psicopatia, morte, orfandade e bullying, Life is Strange 2 foi o mais bravo dos jogos da atualidade ao abordar a xenofobia, medo do estrangeiro, nos Estados Unidos.

Além de diversos outros aspectos que foram incrivelmente bem construídos nesse segundo jogo da série e que mencionamos em outras produções, esse foi especialmente corajoso por trazer um tema de relevância internacional atualmente e que abordo em detalhes nessa crítica.

Se você tem interesse no jogo e ainda não conferiu, pode nos assistir jogando a primeira hora dele no vídeo abaixo.

LIS 2 e a xenofobia nos Estados Unidos

O México fica logo abaixo dos Estados Unidos, ao sul do país, e muitos mexicanos migram ilegalmente para a terra da estátua da liberdade todo ano buscando melhores condições de vida.

Isso é muito mal visto por uma grande parte da população estadunidense, que acredita que os mexicanos estão roubando os trabalhos do povo e prejudicando a economia do país.

Por causa disso, muitas medidas são tomadas para impedir que mexicanos cheguem no país e, caso cheguem, não possam legalizar sua situação.

A ação mais recente contra os nossos companheiros latinos atende pelo nome de Donald Trump.

O republicano que prometeu aumentar drasticamente a proteção dos Estados Unidos contra o vizinho, sendo essa uma das propostas de maior destaque em sua campanha em 2016, ano em que se passa o Life is Strange 2.

O congresso dos Estados Unidos aprovou a receita de 1.6 bilhão destinada ao fortalecimento de cercas e muros entre o país e o México em 2018 – Fonte: NY Times

Muitas famílias de mexicanos que moram ou moravam nos EUA passaram ou passam por maus-tratos simplesmente por virem do México.

Muitos patriotas agem com racismo e julgam os imigrantes não pelos seus atos, mas pelas origens deles.

O nojo, o medo e a insegurança de ser rodeado por um estrangeiro em seu próprio país recebe o nome de xenofobia e é o principal assunto abordado no jogo.

No game, nós acompanhamos Sean e Daniel, dois rapazes que viviam em paz legalmente nos EUA com seu pai Esteban Diaz.

A mãe dos garotos deixou a família, mas não foi explicado o motivo dela abandonar os três, inclusive, Esteban guarda os pertences da esposa como lembrança ou esperança de que ela ainda volte.

A família Diaz é pacífica e ainda assim é vítima

Fato é que a família Diaz era pacífica e vivia em paz, não apresentava nenhuma ameaça nem aos norte-americanos e nem ao país, mas nitidamente sofriam com o preconceito.

Carta deixada pelo vizinho em LIS 2 à família Diaz

A carta de intimidação do vizinho mostra que ele está disposto a levar a questão ao tribunal mesmo sendo algo simples.

Pode parecer bobo, mas isso mostra um traço de intolerância que até o fim da primeira parte do jogo é explicado.

O vizinho da família Diaz tem uma bandeira dos EUA pendurada (patrioticamente) em sua casa.

É com o rapaz dessa cena com quem Sean se desentende e dá início à confusão que termina com os dois irmãos fugindo e deixando para trás dois mortos e uma pessoa ferida.

Vizinho da família Diaz

Acredito que se você chegou até essa parte do texto, já conhece a cena de abertura de LIS 2.

Caso não tenha jogado ou visto, cuidado com os spoilers, pois ela é a base da história e faz parte da sinopse.

Dois garotos são forçados a fugir da polícia rumo ao México após o pai ter sido morto por um policial.

Assim como a vida não é simples e matemática, a Dontnod tratou o desentendimento inicial com muita cautela.

Precisamos dar às pessoas o que elas precisam e não o que elas querem

Michel Koch, diretor em Life is Strange 2

A cena em que o pai dos dois morre é rica e não é contada de maneira infantil ou tosca, o policial tinha motivos para acreditar que Sean era perigoso, o vizinho estava caído no chão com a roupa suja de sangue falso espalhado sem querer por Daniel quando esbarrou com o garoto.

Não é fácil fazer uma análise de uma situação como esta

O policial estava muito assustado, ficou nervoso e disparou contra Esteban.

Esse é um dos trechos que é passivo de interpretação, ainda que o policial possa ter agido com preconceito, não dá para afirmar isso com toda certeza e deixar isso no ar faz parte do cuidado e genialidade da Dontnod em mostrar como a vida é estranha.

Policial acaba perdendo o controle da situação em LIS

Da mesma forma que Donald Trump desaprova os mexicanos nos Estados Unidos, Sean demonstra a rejeição pelo presidente em uma de suas conversas pelo celular com sua melhor amiga Lyla.

Apesar de ser acessível a todos os jogadores, a maioria acaba não percebendo.

Também tem o fato de não citar nomes e ser uma mensagem curta.

Me pergunto quantas pessoas pesquisaram a data da mensagem para descobrir do que ela se tratava.

Lyla e Sean falam sobre Trump no jogo
Mensagem da Lyla para o Sean falando do debate que aconteceu

A mensagem data do dia em que Trump fazia o último debate contra Hillary Clinton, entre diversas afirmações polêmicas, o atual presidente falou que construiria uma muralha entre Estados Unidos e México e defendeu que os imigrantes mexicanos saíssem do país com urgência.

O fato de não mencionar nomes e ser sutil, mostra a preocupação dos desenvolvedores de abordarem o tema com a seriedade e delicadeza que merece.

É muito claro que a relação da xenofobia e as políticas daquele país são os principais assuntos do game, principalmente na primeira parte.

Mesmo que o jogo tenha um grande foco na relação fraternal, com Sean tendo que ensinar a Daniel coisas que seu pai ensinaria. Sean tem se posiciona como figura paterna para o garoto.

O jogo aborda a xenofobia de diversas formas

Um dos primeiros diálogos do jogo mostra como o preconceito tem impacto na vida de Sean.

Em uma conversa com Lyla, a melhor amiga de Sean pergunta ao garoto se ele tem esperança de que a amizade deles vai durar para sempre.

Ele diz que não dá para saber o que vai acontecer naquele país, já que ambos são descendentes de outras etnias: ela asiática, ele mexicano.

Esse drama aparece em diversos momentos durante o primeiro episódio.

Ao achar um posto de gasolina, os dois encontram uma família que está de passagem por Seattle.

Sean se aproxima para conversar e o pai de família diz: “Ô-Oh! Lá vem…”

O homem diz isso com um tom pejorativo, receoso, como se os dois fossem agir com maldade, fazer alguma ameaça ou mendigar por algo.

Por outro lado, a mãe é receptiva e conversa com os irmãos pacientemente.

O pior é que quem sofre o preconceito é jogado à margem da sociedade e passa por dificuldades que muitas vezes tende a se mostrar como se a pessoa tivesse um número menor de opções para sobreviver.

O jogo demonstra isso quando dá a opção de o jogador de furtar algo ou mendigar, se eles não tivessem passado pela situação do início do jogo, não teriam chegado até a cena em que o dono do posto prende Sean e acusa injustamente eles.

Escolha entre roubar e ir embora em LIS 2

Isso quer dizer que todos os estadunidenses odeiam os mexicanos? Não. Claro que não, e o jogo faz questão de retratar isso também.

A importância da família em LIS 2

Pouco depois de sofrerem por abusos do dono do posto, Sean e Daniel são salvos por um jornalista freelancer.

É mais um dos momentos em que o jogo aproveita para mostrar a importância da família ao mostrar que alguém se importa com a relação dos irmãos.

Brody, o personagem em questão, cita que está indo visitar um parente com câncer antes que morra.

Seria muito infantil da parte dos escritores tratar como se a história fosse unilateral, essa habilidade para tratar os assuntos difíceis com a complexidade que eles têm já são marca registrada da série, tanto que falamos muito sobre isso neste podcast sobre LIS.

Brody - Um desconhecido que dá conselhos sobre família em LIS 2

Um dos depoimentos mais bacanas de Jean-Luc Cano, escritor do jogo, é sobre como tiveram a ideia de contar a história de LIS 2.

Segundo o escritor, parte das decisões enquanto escreveu a história foram tomadas levando em consideração a experiência dele como pai.

Minha filha tinha quatro anos de idade nessa época e, um dia de cada vez, eu estava aprendendo a criá-la bem. Percebi que em tudo que digo, toda escolha que faço; Eu sou um exemplo para ela. De repente eu tive uma enorme responsabilidade; Eu tive que me comportar da melhor maneira que pude, por causa dela. Isso é o que é educação. Todas as minhas ações
têm consequências não só para mim, mas para ela também. – Jean-Luc Cano

Com esses traços abordados, falando de família e política internacional, LIS 2 manteve seus pontos fortes do primeiro jogo e se mantém como uma série importantíssima.

Por mais jogos como LIS 2…

Queria que jogos assim fossem mais frequentes e, com o tempo, acredito que serão.

Games neste estilo facilitam que temas complicados sejam melhor compreendidos e incentivam as pessoas a pensar no que realmente importa, afinal, será que suas convicções são as melhores que você pode ter?

Desse primeiro episódio fica a lição de lidar com mais cuidado quando nos deparamos com algum imigrante e a nossa obrigação de buscar entender o tema mais de perto.

Aqui no Brasil estamos começando a nos deparar com a questão, principalmente com a chegada de venezuelanos no país.