Depois de quatro temporadas de muita confusão, humor, drama, garotos (muitos deles!) e ações inconsequentes da divertida, porém sempre tensa, Devi, a série Eu Nunca… da Netflix chegou ao seu fim marcando mais uma produção do streaming que se despede com euforia.
Série, sagas de filmes, ou títulos avulsos sempre encantam quando começam, nos fazem especular enquanto continuam, e vão aos poucos se desvencilhando do público com a espera de que sejam guardados com carinho no coração dos fãs. Eu Nunca fez isso em cada uma das suas temporadas, revivendo Devi a todo tempo, e nos fazendo questionar qual seria o destino da sua personagem.
A série só parece mais uma rom-com, mas é muito mais do que isso. A protagonista interpretada por Maitreyi Ramakrishnan é uma garota que precisa aprender a lidar com o luto e perda do seu pai, ao passo que tenta se resolver com sua rígida mãe, Nalini. A mulher não é fácil; em quatro temporadas, as duas já disseram e fizeram coisas uma a outra que já machucaram uma a outra em diversos momentos da série, a primeira sendo sem sombra de dúvidas o ápice dessa relação. No entanto, a relação conturbada deu uma melhorada na terceira temporada, com Nalini se tornando uma personagem mais compreensiva, maternal e mais mente aberta com sua filha rebelde crescida na cultura norte-americana. E com tudo o que acontece nesse novo e último ano, foi mais do que perfeita a escolha de estabelecer essa “paz” antes da hora final.
Eu Nunca… pega exatamente de onde o cliffhanger da terceira temporada parou: Devi e Ben dormiram juntos, fazendo assim com que a relação entre os dois, que beirava entre a amizade e a provocação (como sempre), ficasse ainda mais intensa. Os dois acordam para o raiar do dia na estreia do quarto ano completamente confusos e destoados do que fazer: ser amigos ou serem namorados? Mas essa pergunta vai render a temporada inteira – literalmente. Primeiro, a série irá focar nas subtramas, no futuro de Devi e suas amigas, então é bom se preparar para o lenga-lenga de aplicações de faculdade, segredos, mentiras e complicações que farão os personagens virarem a cara um para os outros.
A adição de Michael Cimino como um novo interesse amoroso não passa de um mero mecanismo para abordar a maturidade de Devi, coisa que sempre fez nas temporadas anteriores, mas de forma bastante vagarosa, onde viamos Devi constantemente errando com quem estava à sua volta, sentindo muito e depois acertando as contas. A realidade é que essas relações interpessoais se gostam tanto que jamais poderão se separar, em favor de salvar o roteiro e o próximo conflito que vem a seguir: uma mudança, uma rejeição, uma inimiga…
Finalmente, quando chega o momento de Devi crescer, ela cresce; esperneando, gritando, chorando, mentindo, mas sobretudo nunca fugindo dos seus problemas. Agora que o luto do pai foi mais ou menos resolvido na terceira temporada quando ela teve que usar a arpa de novo, apenas sobra a si mesma para se deparar e se desenvolver. Aqui sentimos um pouco a falta da terapeuta de Devi, que foi fundamental nas outras temporadas, mas que aqui aparece de relance apenas algumas vezes, salvo o final onde até revela que sempre se preocupou com a jovem.
Toda a resolução sobre garotos e sexualidade é muito pouco explorada, o que pode ser bom, mas também representa um pouco um problema: fica parecendo que Eu Nunca… quer passar logo por cima disso para trabalhar melhor nas relações amorosas e desenvolver cenas onde personagens ficam sem camisa, apenas de sutiã e caem diversas vezes na cama. No entanto, tudo isso também é muito apressado para ser acusado de estar sendo usado como mecanismo, e deve ser levado apenas como um encaixe de que essa experiência precisa acontecer, que Devi deve passar por essa fase antes de se despedir do colegial.
Os dramas entre as duas amigas com quem sempre briga tem uma fórmula muito simples: o problema existe, o problema se esconde, o problema é revelado e então resolvido. Embora pareça muito simples, por várias vezes vemos personagens que nos faziam rir olhar para o nada e chorar, em conflito e tristeza com a resolução dos seus destinos e futuros (muito incertos). O destaque vai para Ramona Young, que interpreta Eleanor, e que conseguiu passar mesmo em momentos cômicos a impressão de que estava bastante triste.
Na reta final, a série consegue emocionar e catar os cacos do que vem planejando. Existe um último conflito do qual é esperado que Devi reaja da mesma forma, mas ela se recusa a fazer isso e fica super-tranquila, o que é bastante realista com a sua situação já que está na lista de espera de Princeton com medo de não ser totalmente aprovada e não tem tempo para ligar se sua mãe vai namorar alguém novo ou não. Por mais que saibamos que a personagem vai conseguir o que quer no final, a série brinca com o imprevisto e acaso que aumentam a expectativa.
No último episódio, vemos que a produção finalmente aborda seu curioso título em uma brincadeira de Eu Nunca onde os personagens lembram de leve todas as trapalhas pelas quais passaram, e é realmente uma escolha muito perspicaz de concluir a série e demonstrar que não apenas não é uma série que se leva como muito importante, também não o tenta ser. Todos os ciclos se fecham como devem ser, voltando para o núcleo de uma relação entre mãe, finado pai e filha que precisava encontrar seu equilíbrio.
A série vai deixar saudades, mas mesmo apesar de isso ser um pouco triste, é bom não arrastar algo que, ao ser esticado para oito temporadas (cof, cof, Elite, estou falando com você) fique bobo, repetitivo, chato, muito intencional a ponto de nos fazer revirar os olhos e ainda assim passar uma mensagem espirituosa e bela.
Eu Nunca… conclui seu capítulo no streaming de uma forma cômica e emocionante, em contraste com o momento exato em que começou. E esse é um baita de um elogio.
Série: Eu Nunca…
Direção: Mindy Kaling, Lang Fisher, Ben Steiner, Aaron Geary
Elenco: Maitreyi Ramakrishnan, Darren Barnet, Jaren Lewinson, Poorna Jagannathan, Ramona Young, Benjamin Torres, Lee Rodriguez, Richa Moorjani
Nota: 7,0
A última temporada de Eu Nunca… está disponível na Netflix.