Crítica: “Que Horas Eu Te Pego?” é o clichê que se afasta do clichê

Matheus Martins

Que Horas Eu Te Pego (ou No Hard Feelings) é uma comédia estrelada por Jennifer Lawrence, estrela famosa pela saga de filmes Jogos Vorazes, baseada nos livros de Suzanne Collins. A direção do filme é de Gene Stupnitsky, responsável por filmes como Professora Sem Classe (2011) e Bons Meninos (2019).

O longa que chegou aos cinemas no mês passado foca em Maddie (Lawrence), uma motorista de aplicativo que vê sua situação complicar quando corre risco de perder a casa de seus pais em Montauk, Nova York. Desesperada por dinheiro, ela aceita um estranho acordo de um casal rico para namorar o filho de dezenoves anos deles.

Uma missão nada fácil, visto que Percy (interpretado por Andrew Barth Feldman) além de tímido, não entende os avanços da moça mais velha e ainda é muito imaturo, dependendo dos pais para tudo – razão pela qual a dupla precisa desesperadamente de Maddie.

Em uma primeira impressão, o filme parece ser mais uma daquelas comédias românticas onde já sabemos o que vai acontecer: personagem extrovertida conhece personagem introvertido, os dois se conhecem, se apaixonam e depois de um monte de trapalhadas, se apaixonam. Isso é parcialmente verdade, já que é se baseando em uma premissa tão clichê que o filme impressiona.

Os filmes de comédia atuais parecem quase extintos atualmente. Com tantos live-actions e filmes de super-heróis atingindo o topo da bilheteria das telonas, o gênero estava quase decaindo no gosto dos frequentadores do cinema, mas de vez em quando trazia algumas comédia de streaming plenamente satisfatórias. Que Horas Eu Te Pego se encaixa nessa descrição.

O primeiro ponto positivo do filme é que Maddie não é só uma personagem atrapalhada procurando uma solução para o seu problema como vários outros filmes retratam. Moradora de Montauk, ela se irrita quando as famílias mais ricas se mudam para a cidade e acabam aumentando o valor do imposto sobre casas próprias. A comédia acerta bastante quando não afasta essa característica da personagem, retornando a esse ponto em vários momentos em confrontos, falas e até nas atitudes de Maddie. Tudo melhora ainda quando descobrimos que Maddie é ainda mais profunda e tem uma razão muito específica para não deixar a cidade da qual nunca saiu.

Do outro lado dessa novela, temos Percy, que é mais um personagem estereotipado. Ele, sendo um jovem adulto de dezenove anos, não tem muitos amigos, joga videogames, passa o dia no seu quarto e a única oportunidade que tem para sair de casa é trabalhar em um abrigo de animais. Não há um desenvolvimento tão profundo sobre o personagem, mas isso não incomoda tanto, visto que como colocado em um ponto-objetivo de Maddie, vamos aprender mais sobre ele através da conversa, das situações, momentos e complicações que a dupla irá apresentar ao longo do filme. A verdade é que o jovem lida com a interferência dos pais ao longo da sua vida durante vários anos, desde pequeno à vida adulta.

O jeito como o filme lida com o humor e com as piadas não incomoda e muito menos ofende a quem assistir. Não é um filme que está aqui para quebrar paradigmas sobre idades, tocar nas feridas de tabus sobre atores jovens demais contracenando com veteranos da indústria. É um humor puramente inocente e pontual que sabe a hora de entrar em cena, sem cortar a narrativa de forma abrupta ou covardemente se esquivar da falta de inovação durante as cenas.

Ao passo que Maddie assume seu acordo, ela começa a achar as coisas complicadas quando sente que Percy está se apegando a ela. Por mais que não admita em nenhum momento – e fica mais evidente lá para o final do filme – a personagem também se apega ao jovem, já que vem com aquele velho argumento de que assim como o mais jovem tem a aprender com o mais velho, o mais velho também tem algo a aprender com o mais novo. A complicação entre os dois nos faz sentir e ter pena do destino dessas duas personagens quando a verdade sobre o envolvimento de Maddie finalmente sair da caixa.

Uma salva de aplausos para a escrita do filme que maneja não só continuar consistente, mas não se apoiar em um romance chatonildo onde Maddie ou Percy veem um no outro parte idealizadas de seus delírios frenéticos de amor. O amor até que existe, mas não é um amor doentio, avassalador de filmes do mesmo gênero que corrigem as coisas muito rápido sem dar um desenvolvimento que soe realístico.

O conflito entre os dois personagens, enquanto eles se relacionam, se conhecem, trocam figurinhas, é bem mais do que uma mera desculpa para ir do ponto A para o ponto B. É um filme sobre amadurecer, sobre idade, sobre duas culturas diferentes. Maddie é independente e diz que Percy nunca vai saber o que é ter medo de perder sua casa por morar com pais ricos. Percy, apesar de jovem, demonstra a inteligência dessa geração que está por vir ao rebater a moça com o argumento de que ela está onde está porque não consegue encarar o próprio pai, reforçando que a geração anterior a dos milênios agora nunca soube ser mais aberta sobre os seus sentimentos.

Que Horas Que Eu Te Pego é uma comédia leve, divertida, reflexiva, e com um invejável e belo desenvolvimento de personagens que pavimenta o caminho do gênero em meio a tantos clichês de Adam Sandler e outros figurões da comédia que pensam que podem entregar algo melhor ou quanto.

Filme: Que Horas Eu Te Pego?

Direção: Gene Stupnitsky

Elenco: Jennifer Lawrence, Andrew Barth Feldman, Laura Benanti, Natalie Morales, Matthew Broderick e Ebon Moss-Bachrach.

Nota: 9,00

Que Horas Eu Te Pego? está em cartaz nos cinemas.

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