Crítica: “Sintonia” quarta temporada une bem a história do trio da Vila Áurea

Matheus Martins

Com um tempo de hiatos bem menor do que as outras temporadas da série, a nova leva de episódios de Sintonia chegou com oito episódios nesta terça-feira (25); número um pouco maior do que os anos passados da série, mas com capítulos na mesma duração – tirando alguns mais centrais e finais.

A série retoma a história inspirada nas favelas da Vila Áurea, um lugar onde o trio de amigos da periferia, Doni (Jottapê), Nando (Christian Malheiros) e Rita (Bruna Mascarenhas) travam o destino de suas vidas em uma história que fala sobre fé, música e crime.

Após os acontecimentos da terceira temporada, que terminaram com um tiroteio, a produção retoma a série exatamente desse ponto, respondendo às questões de fãs sobre quem morreu e o que irá acontecer daqui para frente.

Atenção! O texto abaixo contém spoilers
da 4ª Temporada de Sintonia!

A série não demora a dar um fim ao mistério. Quem morreu? Ninguém. Doni e Nando foram gravemente feridos, Rita entrou em desespero, mas Sheylla, a mulher de Nando, é colocada na cadeia de forma a punir o “Nando da VA”, como ficou conhecido após anos trabalhando dentro da facção.

O bom da série é que ela faz bem essa separação, sem exageros, sem mortes desnecessárias que poderiam atrasar a narrativa ou plots que possam prejudicar a história mais tarde. Muito pelo contrário, a divisão é bem feita e fica bem evidente o impacto que o incidente no café de Nando afetou cada personagem. Se fosse uma série qualquer, como Elite, por exemplo, os adolescentes do Las Encinas passariam por cima rapidamente desse acontecimento para focar no que realmente importa para o enredo: o exagero e o sexo.

Embora ninguém tenha morrido, não quer dizer que não haja espaço para consequências. Nando ficará com a missão de desvendar quem é o traíra que enviou a polícia em seu encalço, Doni está machucado e não pode dançar em seus shows, e Rita, recém-ingressa na faculdade de direito, está mais reflexiva do que nunca sobre o certo e o errado vindo de onde ela vem, tendo a vivência na comunidade como ela tem.

É elogiável como o roteiro, mesmo com alguns diálogos que possam soar vergonha alheia, seguem fielmente a trajetória de suas personagens. Cada reação, ação e crise passada nesta temporada traz um frescor de identidade, ao passo que transmite o reconhecer para a audiência; não deve se esquecer do fato que, como uma plataforma de streaming nacionalmente assinada, muitos jovens que têm essas vivências possuem acesso a essa série e podem se identificar nela.

Aqui, por mais que alguns elementos possam soar de plástico, o que importa em Sintonia são as emoções dessas personagens. A moral de Rita. A paranóia de Nando. O talento quase nato de Doni para se afogar em dívidas e se meter em problemas. A série, por mais simples que possa parecer, não tenta puxar clichês batidos, triângulos amorosos que vêm do nada ou matar personagens pelo bem do choque visual. É tudo verdadeiramente contado, desde o primeiro episódio até o último. Claro, dentro da proposta a qual se propõe.

Há aqueles que afirmam que Doni é um personagem meio destoado da jornada de Rita e Nando, e que possui plots menos sérios, além de não tratar sobre o seu alcoolismo e abuso de drogas. Dá para discordar veemente dessas afirmações, já que a série não diz em qualquer momento que o jovem é alguma espécie de dependente de substâncias ilicítas. Doni as consome, sim, mas exatamente como é feito por celebridades e somente para fortalecer a imagem de MC que o personagem do artista Jottapê precisa para respirar de forma mais vívida. Além do mais, Doni também não é alheio aos dramas ou sequer um alívio cômico. O arco do personagem, desde a sua primeira temporada, é sobre esse aspecto da juventude descuidada que adentra o mundo da indústria músical de forma sem saber suas regras e sem respeitar seus trâmites. Lá para o final, arrisco a dizer, existe até uma espécie de desenvolvimento do personagem que se liberta dessas amarras quando decide abrir sua própria produtora de música com seus parceiros da favela.

E por falar em desenvolvimento, uma personagem que surpreende nesta quarta temporada é a personagem de Sheylla. Colocada na prisão, a personagem é submetida ao sofrimento, mas não é resumida apenas nisso. A série consegue dar espaço para que a personagem se afaste da sombra de Nando e passe a agir em uma das “ideias” da qual o marido está sempre participando. É um feito bastante chocante, visto que a série sempre a colocou de escanteio nas últimas temporadas e é muito satisfatório vê-la ganhando a alcunha de Cunhada em certos diálogos.

A quarta temporada é uma temporada que funciona incrivelmente bem, unindo todas as histórias e apresentando pela primeira vez conflitos que emocionam, nos fazem rir e torcer por essas personagens tão reais. Não dá para não dar destaque ao personagem de Malheiros que, embora tropece até demais na atuação, passa a ser o centro da história com sua paranóia em encontrar os culpados e ter o controle da situação de volta às suas mãos. Seu desfecho, bem como o de todos os arcos, é fechado de uma forma emocionante e completamente adequada.

Já estamos vendo conversinhas sobre rumores de que essa pode ser a última temporada da série encomenda lá Netflix, mas se o streaming optar por trazer mais um ano, não teremos do que reclamar.

Série: Sintonia

Direção: Felipe Braga, Guilherme Moraes Quintella

Elenco: Jottapê, Christian Malheiros, Bruna Mascarenhas, Rosana Maris, Leilah Moreno, Julia Yamaguchi, Adriano Bolshi, Jefferson Silvério.

Nota: 8,00

As quatro temporadas de Sintonia estão disponíveis na Netflix.

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