Crítica | “Todos Nós Desconhecidos” é drama com fantasmas do passado

Matheus Martins

Da série de filmes cults que escapam do grande circuito de cinema, um dos favoritos da temporada é All of Us Strangers (“Todos Nós Desconhecidos”), produção estrelada por Andrew Scott de Fleabag e Paul Mescal de Aftersun. O filme de Andrew Haigh é um filme de representação LGBTQIAPN recheado de drama e emoção.

Na trama, Adam (Scott), um roteirista solitário vive atormentado pelo trauma de ter perdido os pais em um acidente de carro. Enquanto visita seu antigo lar e tem conversas profundas com as partes de ambos que guardou dentro de si, ele entrando em uma tímida paixão com seu vizinho Harry (Mescal).

O filme já chegou em alguns circuitos bê-érre e já foi conferido por nós do Pixel Nerd. Veja nossa crítica no texto abaixo:

Retornando a mais uma história de romance gay com requintes de delicadeza treze anos após o bem-sucedido Weeknd (2011), Haigh volta com uma história delicada e cheia de emoção estrelada por dois nomes em destaque no mundinho Letterboxd do cinema. Inspirado de leve na obra de Taichi Yamada, o escritor de roteiros, Adam, vive em Londres na busca de revisitar os fantasmas do seu passado. Enquanto visitar lugares pode de alguma forma desencadear uma série de memórias, o roteirista passa a ter encontros esporádicos com seus pais mortos, onde os imagina com a mesma idade que tinham no dia em que morreram.

Ao mesmo tempo, Andrew se vê próximo ao vizinho do edifício suportando os alarmes falsos de incêndio e a solidão que um prédio recém-construído é capaz de fazer. De um jeito engraçado, tímido, nada sútil, porém muito delicado, Harry demonstra interesse em Adam, que corresponde, mesmo que não de primeira. Sem contar a Harry sobre as visões que tem de seus pais, Adam compartilha segredos que deixam a dupla de namorados cada vez mais próximos.

Com o mesmo tom de filmes como Past Lives, Call Me By Your Name e tantos outros da leva, a sutileza do tema se apresenta através do texto, da conversão de cenas meramente expositivas, do toque com que as partes da emoção trabalhadas no filme tentam se conectar ao realismo e o imaginário fantasioso do drama. O amor aparece em grande peso, mas não necessariamente da forma romântica, uma vez que foca mais no amor fraternal – ou na falta dele – e sua capacidade de afetar e embalar o protagonista diante da resolução que precisa.

A primeira metade é lenta, porém dinâmica e escalada, demonstrando a que veio. Já a segunda é marcada por capítulos trágicos; um homem assombrado por fantasmas, recluso e com falta de tato ou sensibilidade, tendo grandes dificuldades de se desconectar da dor de ter perdido os pais, se apaixonando por um jovem depressivo e o afastando cedo demais antes da fase de superação.

Enquanto que drama e histórias LGBTQIA+ não são nada novo, há um padrão se reformando aqui com histórias da comunidade voltando a terem fins trágicos, tal como foi apresentado em Saltburn. O defeito de All of Us Strangers no entanto é a escolha do destino de Harry que faz com que o filme caia em um dos piores padrões das últimas décadas.

De atuação e cores de paleta, o filme está cheio. Desde os tons roxos das vidas em baladas e encontros urbanos a monotomia e lugar de conforto na residência dos pais de Adam, o que brilha no cenário são as atuações de Claire Foy e Jamie Bell como os pais acolhedores do roteirista. Mais do que memórias, os “fantasmas compreenssivos” trabalham bem essa ambiguidade entre o que é memória e o que é fantasia, fazendo com que torcemos que seus posicionamentos de acordo com o futuro escolhido pelo filho tenham algum grau de verdade. E por que não falar da morte pairando em suas cabeças? Além de ser tema central, quando ela é confrontada pelo roteiro traz um climáx grandioso para o peso que ambos os atores vem preparando para o filme.

Já Mescal soa um pouco destoado do encanto que o paralítico de Andrew Scott é capaz de trazer em tela. O incômodo, a doçura e o belo contraste em emoções soa tão natural diante da abertura dada a Foy e Bell.

Apesar de compor outra pilha de projetos que seguem um padrão irremediável da Hollywood artística para os gays, o filme é cheio de reflexões pertinentes para o futuro com direito a uma história profunda e bem cadeada.

Filme: Todos Nós Desconhecidos.

Direção: Andrew Haigh.

Elenco: Andrew Scott, Paul Mescal, Claire Foy, Jamie Bell.

Nota: 8,00

Todos Nós Desconhecidos ainda não tem data de estreia para chegar ao Brasil.

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