Shrug Island representa a complexidade da arte em forma de jogo independente | Crítica

Redator Pixel

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Como um amontoado de acontecimentos que rolaram nos últimos anos mostram, Arte é um assunto complicado de ser discutido no Brasil. Envolto em polêmicas nos últimos anos, o tema é tão negligenciado quanto a História por aqui, tanto que o principal museu do nosso país virou cinzas recentemente.

Mas por que todo esse temor por Arte? Olha, eu não sei como explicar isso, mas imagino que seja aquele medo do desconhecido, do diferente, de algo que não é tão claro de ser entendido a olho nu. Um medo que assola não só a nossa sociedade, mas aparentemente é um problema mundial que ainda precisa ser solucionado.

Viagens sócio-políticas à parte, a arte existe como uma forma de expressão: enquanto eu uso palavras para comunicar coisas para quem acompanha meu trabalho ou simplesmente foi trazido pelo destino (ou Google) até aqui, outras pessoas que não manjam muito de escrever cantam, dançam, esculpem, pintam.

E com o crescimento do mercado de jogos, agora também temos pessoas que utilizam videogames para passar sua visão de mundo. Em uma das minhas sessões de exploração da Steam, acabei me deparanto com Shrug Island: The Meeting, um jogo que, assim como toda peça de arte, mostrou ter uma história bem maior do que aparenta.

Música, pintura, jogo

Desenvolvido pelo estúdio independente Tiny Red Camel, Shrug Island – The Meeting não traz nada de tão extraordinário quando o assunto é videogame. Basicamente, o título é um point-and-click com puzzles envolvendo formas e sons.

A parte interessante do jogo fica na história por trás dele. A criadora do game, Alina Constantin, criou um universo para os Shrugs, com histórias que são contadas dentro de diferentes mídias, desde vídeos até games, como é o caso de Shrug Island. O começo de tudo rolou com o curta abaixo, que apresenta o universo que foi expandido para o jogo.

No game, você controla duas crianças que moram em uma ilha e querem… se encontrar. Os personagens mudam sua forma, conseguem se integrar com sua terra e usam sons para se comunicar. O nome Shrug vem da palavra “ombros”, uma metáfora indicando que os seres carregam o peso do seu mundo, que está em constante mudança.

“Os Shrugs foram criados como personagens estranhos e familiares para ilustrar metáforas de interdependência, mudança cíclica, caos harmonioso e outros conceitos existencialmente abstratos”, explica a desenvolvedora Alina Constantin, que desenhou o jogo.

Em The Meeting, que é o primeiro game de uma série, o objetivo é fazer dois amigos se encontrarem antes da partida, momento em que os Shrugs ganham asas e voam. Toda a aventura dura cerca de uma hora e meia, mas é como um passeio dentro de uma pintura.

Conexões

Assim como qualquer obra de arte, o jogo possui camadas, mensagens escondidas em sua complexidade e diversas interpretações. Enquanto jogos como Call of Duty te dão uma arma e apontam o inimigo que você deve atirar,  Shrug Island te coloca num mundo que parece um quadro com diversas interpretações.

Durante o começo do gameplay, fui bastante cético com questões técnicas do game, que não se destacam nem um pouco. Porém, após conversar com a criadora do projeto, percebi que o propósito do jogo é bem mais subjetivo do que comercial.

Shurg Island é uma metáfora sobre conexões
humanas e a própria vida da desenvolvedora

Alina me contou que seu propósito com o mundo de Shrug é representar as pontes que ela criou com culturas, espaços e pessoas que passaram pela sua vida e ajudaram ela a entender que a arte conecta pessoas.

Ao saber disso, dois aspectos do gameplay me chamaram bastante a atenção: um dos personagens se conecta com outros seres e seu próprio mundo se comunicando por meio da música, enquanto a outra protagonista consegue ter visões do passado de sua ilha para aprender com o que já aconteceu. No final das contas, o game é isso: conexões com pessoas que importam e o seu mundo.

Momentos como esse mostram como a arte pode ser algo complexo e profundo, mas também é algo tão simples quanto digitar palavras no computador. Mais impressionante ainda é o impacto. Enquanto algumas pessoas podem ver um simples jogo point-and-click em Shrug Island, ele pode acabar mudando a percepção de mundo de outro jogador.

Isso é arte, galera: diversas interpretações, todas corretas, todas erradas. O importante, no final das contas, é viajar e ser impactado.

Apesar de ser um jogo beeeem diferente da maioria do que vemos por aí, Shrug Island conseguiu US$ 26 mil no Kickstarter em 2014 para ganhar vida. Boa parte disso veio por causa do estilo de arte e temas abordados, como infância e natureza, demonstrados pelo olhar da criadora do jogo, mas que são comuns na vida de todo mundo.

“Eu queria criar algo universal tirado de questões muito pessoais de pertencimento”, conta a artista. “Ao longo do caminho, conheci outras pessoas que se encontraram nessa visão de criar uma fantasia que conecta música e ambiente num mundo narrativo único e aberto”.

Assim como aconteceu comigo, pode ser que algum jogador chegue até Shrug Island na Steam e jogue-o esperando algo para matar o tempo e se divertir casualmente, mas acabe se decepcionando. Ao mesmo tempo, o jogo pode acabar servindo de referência e inspirar outra pessoa com o mesmo conteúdo.

Como seres humanos, estamos há todo momento absorvendo o que o mundo nos apresenta, processando tudo isso com nossos ideais e crenças. Neste contexto, só posso fazer a seguinte recomendação: ao ver um quadro, ouvir uma música, jogar um jogo, não deixe de sentir o que está acontecendo, se abra para entender o seu contexto e questione os significados.

Antes de temer o diferente, tente compreendê-lo.

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