A vida imita a arte.
Não há como negar que diversas áreas da cultura sejam impactadas em meio a uma crise política. Seus conteúdos são influenciados pelo cenário real a sua volta; seja servindo para inspiração, seja moldando o enredo da história ou até se refletindo em possíveis cenários que tomam concretização diante dos nossos olhos, causando assim uma comparação difícil de ignorar até mesmo para os leigos.
Esse impacto chegou até o mundo dos games. E, por mais que alguns dos seus desenvolvedores prefiram ficar em cima do muro a se posicionar, suas tramas falam por si só, fazendo com que os players busquem as respostas na história atual de seus respectivos países.
Hoje, nós do Pixel Nerd, aproveitaremos o cenário atual das Eleições de 2022 no Brasil para apresentar os 7 jogos com tramas políticas fortes na história!
Detroit: Become Human
Detroit: Become Human realmente se tornou um exemplo de que a vida pode imitar a arte sim. Isso porque, alguns anos após o seu lançamento em 2018, o jogo de ficção científica futurística preveu boa parte dos acontecimentos que atingiriam os Estados Unidos e o mundo. Com o ator Jesse Williams (Grey’s Anatomy) dando o rosto ao protagonista do jogo, Markus – um androide cuja habilidade é controlar seus semelhantes – o game mostra uma realidade não muito longe do outro lado da tela quando o personagem principal fica diante de uma escolha: libertar ou se rebelar.
Em 2020, após o assassinato de George Floyd pela brutalidade policial, vários protestos assolaram o mundo real e as redes sociais, engajando o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, traduzido para o português). Alguns deles ocorreram em passeatas com pessoas segurando placas, mas outros se marcaram por serem mais violentos, atacando comércios e derrubando monumentos racistas.
No jogo a mesma coisa acontece; o jogador deve lançar a mão de resolver as coisas de forma pacífica enviando mensagens e pixando paredes de forma vitural ou depredando e quebrando os pontos da cidade. Aqui essa liderança proporcionada ao jogador tem mais do que apenas uma relevância de jogo, apelando para um contexto moral onde as linhas entre o que é certo e errado para cada indivíduo se encontram. Não por acaso também, no game, boa parte dos androides são pessoas representados como pessoas de cor e o próprio Jesse Williams é um grande apoiador ferrenho do BLM.
Os criadores do jogo tentaram ser bastante respeitosos, evitando passar uma imagem de que o movimento civil seja uma receita para o desastre no mundo real. Mas, curiosamente, por mais que as escolhas do jogador envolvam ser pacíficas, o jogo progressivamente caminha para a destruição de qualquer forma, se afastando um pouco da “àrea cinza” que muitos deles dizem se basear e dando uma resposta política longe de ser neutra.
Tom Clancy’s Elite Squad
Enquanto de um lado Detroit prevê os acontecimentos no país e no mundo, do outro Tom Clancy’s Elite Squad foi baseado em um momento tão atual de clima político que gerou até uma certa polêmica justo no trailer de seu lançamento.
O game desenvolvido pela Ubisoft juntava alguns personagens das franquias de outros jogos em um jogo de estratégia tática para celular, mas não foi por isso que acabou ganhando atenção. Em sua premissa, Elite Squad juntava as forças da equipe de Tom Clancy contra uma organização que promovia revoltas populares para desestabilizar o governo e promover a revolta popular; organização qual o símbolo era um punho em cor roxa erguido para cima.
Dado ao seu ano de estreia em 2020 – e o símbolo em si – , fica óbvia a comparação que os criadores quiseram fazer com o movimento Black Lives Matter cuja proximidade da época tinha uma repercussão grande. Mas, muito embora tenha seguido os passos do jogo anterior listado, os criadores colocaram uma visão de extrema direita política com o intuito de passar a mensagem de que o movimento seja uma conspiração ao invés de uma luta de direito civil. A ação obviamente gerou uma comoção nas redes sociais, assim como repúdio de grande parte das pessoas e personalidades declaradas antiracistas.
Outros fatos que se tornaram interessantes para evidenciar essa denúncia é que o jogo se deu sua estreia polêmica justo na semana em que um supremacista de 17 anos matou manifestantes do BLM nos EUA e na morte de Chadwick Boseman, ator negro que representou diversos papéis de representatividade na história do cinema.
Esse tipo de postura também não é nenhuma novidade, visto que por conta de grandes depredações de bancos e diversos outros estabelecimentos sendo uma consequência dessas manifestações, é natural que algumas pessoas passem a acreditar em teorias conspiratórias de que os lutadores da causa tenham interesses próprios. É nesta hora que empresas devem revisar seus papéis como influenciadoras para estimular crimes de ódio e não ofender outrem, o que não foi o caso.
Por sua péssima recepção, a Ubisoft decidiu descontinuar o jogo e desligar seus provedores no ano passado, causando a impossibilidade do game para mobile ser jogado.
Far Cry 6
Abordar temas políticos pode até ser uma novidade para alguns jogos, mas para Far Cry isso tem se tornado um hábito natural da franquia. Suas histórias sempre se baseiam em conflitos reais ou ao determinado tempo em que eles se passam, alterando nomes e personagens centrais, mas nunca realmente tirando a importância do que cada um desses fatores são capazes de provocar e influenciar dentro da história. Apesar disso, o jogo já foi bastante criticado por não se aprofundar o bastante no tema em que trabalha em tempo de não serem criticados pela audiência – principal fonte de seu ganho.
Em Far Cry 6, Cuba é dominada por uma versão mais modernalizada da família Castro. Ao invés do poder sendo passado de irmão para irmão, temos a história entre um pai e um filho na ilha caribenha chamada Yara. A passagem de poder e os elementos visuais entregam a fonte de inspiração que os diretores beberam: ditadura e guerrilhas, domínio de poder geográfico e um conflito de opiniões que separam o país levando a ordem até o caos, exatamente como aconteceu no regime caribenho em 2018.
Essa capacidade de usar elementos realistas deveria classificar o game de tiro como um jogo político – se não um dos maiores da atualidade, mas a grande verdade aqui mora no seu contraposto; Far Cry (mais precisamente, seus criadores) limitam o uso de todo material usado como pesquisa, focando em coisas menos relevantes nesse contexto como conseguir animais companheiros e completar missões para poder explorar ainda mais o lado do mapa da ilha dominada pelos inimigos.
Na vida real não há tutoriais de como desbloquear essas àreas ou interagir com os verdadeiros “inimigos” em Cuba. Pelo nível maior de complexidade existente aqui do lado de fora da tela, isso chega até ser impossível. E é nesse raciocínio que a Ubsoft usa o tema como pano de fundo para venda dos seus produtos: o impossível. A história real é editada, restabelecendo novas ideias que soem mais interativas ao passo que encaixem nas narrativas que combinem com suas fórmulas de venda.
É uma boa forma de dar liberdade total para que o jogo siga sendo fiel ao jogo, sem se apoiar em fatos históricos no final das contas, mas alguns apontam para a falta de desafio que as grandes empresas não querem fazer com que sua parcela média de players percam tempo.
Árida
Primeira trama de grande desenvolvimento baseada em uma história brasileira, Árida se tornou um sucesso de jogo estilo survivor baseado nas raízes do sertão do Brasil onde se tem como personagem principal Cícera, uma garota de 15 anos que vive na fazenda com seu avô no nordeste e precisa passar por missões e desafios para conseguir beber e comer para chegar até a cidade de Canudos.
Apesar da premissa divertida, o game tem traços de política dentro dele querendo ou não, desde a sua apresentação no evento Gamescom, na Alemanha, até incrustado em enredos da sua história. Diferente dos outros jogos mostrados nessa lista, aqui encabeça tudo: historicidade, representatividade e crítica social. Pois não há como um brasileiro jogar Árida nos dias de hoje e não perceber as contradições que trazem consigo; uma garota tentando sobreviver a fome e a sede no século XIX em uma terra já naturalmente conhecida como escassa sendo vendido como diversão. A ideia simplesmente não bate, mas funciona e até lança um desafio para outras empresas do ramo: será que elas conseguiriam fazer o mesmo?
O jogo se passa no período pré-Guerra de Canudos, fato tão importante da história do nosso país de quando o líder de resistência social, Antônio Conselheiro, lutou contra a República, principal pela exploração e miséria das terras bahianas na época. Sob o ponto de vista Cícera, o jogador deve ficar atento às coisas que possam servir de recursos para não morrer de fome, conseguir armas para coleta e conversar com os moradores para conseguir informações.
Nota-se aqui que não há uma romantização dos acontecimentos, nem uma exarcebação na narrativa para impressionar a audiência. Cada elemento relevante dentro dele pode ser performado aqui do lado de fora. Essa escolha de direção lança uma mensagem a quem joga, capta uma moral que tem grande papel, sem tirar o lado interativo que é o mais importante dentro de uma obra.
The Division 2
De volta a exageros e cenários nem tanto possivelmente realistas, temos The Division 2, agora performando sua segunda parte na franquia em Washington DC depois que um vírus que se alastrou pelo mundo acabou com a ordem do jeito que ela sempre foi. O presidente em vigor está desaparecido – possivelmente assasinado – e é seu dever defender o spot principal de anarquistas, religiosos fervorosos e fascistas que buscam por a mão no controle da cidade.
Apesar de ter a política apenas como uma base, o game que fica melhor sendo jogador por multiplayers do que individualmente tem diversas mensagens a cada esquina escritas provavelmente por rebeldes e pichações de pessoas que ainda sobrevivem na cidade, dando mais alma a identidade do jogo ao invés de resumir tudo a uma cidade fantasma dominada pelo mal.
Outro ponto forte que demonstra que o game tem forte inclinação política é uma das missões que envolvem documentos da Casa Branca, fortalecendo assim uma ideologia mais patriota de que o país fica melhor e mais organizado nas mãos fundadoras de quem dominava antes do momento de sua ruptura. E, como é natural da Ubisoft, o jogo teve uma mensagem polêmica envolvendo ataques a minorias em elementos dentro da história. Em uma pichação onde um policial come uma rosquinha rosa (que também é uma alusão a outro símbolo) é possível ver em sua insígnia a palavra “FAGGOT” (termo perjorativo a homossexuais) decodificada na paisagem urbana. A empresa teve que se desculpar e lançar um novo patch sem a imagem.
Call of Duty: Modern Warfare
Mas não são todos os jogos que irão contar ou sequer admitir que têm qualquer embasamento político, embora suas obras demonstrem exatamente o contário. Em Call of Duty, por exemplo, os americanos tem total protagonismo em missões, sendo demonstrados humildes e justos, enquanto outros países como a Rússia sempre ficam marcados como torturadores e terroristas, mesmo que ambos possuam históricos agressivos marcantes no seu passado.
Call of Duty: Modern Warfare teve uma péssima repercussão ao tentar retratar um acontecimento durante a 1ª Guerra Mundial de uma maneira diferente da vida real. Na ocasião, as Forças Unidas atacaram uma rodovia que ligava o Kuwait e o Iraque, deixando uma estimativa de mais de 400 mil mortos. Segundo jornalistas, entre o número de mortos haviam militares desarmados ou rendidos e civis. Mas dentro da realidade do jogo (mesmo apesar dos nomes fictícios), a Rússia acabou levando a culpa pelo abatamento de milhares, gerando uma enxurrada de comentários que não desculparam a xenofobia.
Essa postura de apagar a história e remodelar é algo natural da culura norte-americana, que se vê como protagonista em eventos importantes e que se põe na linha de frente entre tudo que há no mundo. Apagar sua parcela de culpa em uma das maiores histórias sangrentas da humanidade seria só mais uma maneira de salvar a honra do país.
No jogo, as coisas também funcionam assim: as missões são importantes e devem ser concluídas até o seu máximo, não importando quem será ferido no processo, crianças ou mulheres, algo que reflete bastante no posicionamento em polêmicas.
Políticos Memes Kombat
Ao estilo Mortal Kombat clássico, esse jogo para celular não passa de uma sátira sobre o cenário político atual no Brasil onde os políticos, bem como presidentes, ex-presidentes e candidatos saem literalmente na porrada em cenários como o planalto em Brasília, o sertão e outros na busca por votos. Com um gráfico bem simples e cheio de expressões faciais retiradas de memes, o game tem dispobilidade na PlayStore.
Dentre os personagens temos Ciro Gomes, Cabo Daciolo, Enéas Carneiro, Michel Temer além dos populares Lula e Jair Messias Bolsonaro e outros.