Barbie: sobre o que realmente fala o filme?

Matheus Martins

Após meses de uma divulgação explosiva, marketing e elenco divinos, e uma especulação sobre o que realmente poderia ser, Barbie chegou às telonas na última quinta-feira (20) apresentando uma comédia recheada de aventura e crítica social ferrenha.

Para quem estava vivendo sob uma pedra nos últimos dias, ouvir sobre o filme de Greta Gerwig pode trazer um pouco de confusão. Afinal de contas, sobre o que é o longa? Um live-action inspirado na Barbie? Uma comédia romântica sobre Ken e Barbie? Uma franquia planejada pela Warner Bros para alavancar o estúdio que sofreu nas bilheterias com os últimos números da DC?

São tantas opiniões, que fica um pouco confuso tentar entender sobre o que o filme trata sem assistí-lo. Por sorte, a nossa equipe do Pixel Nerd já pode conferir essa maravilha do cinema e agora pode sanar as dúvidas de quem ainda se pergunta sobre qual a temática dele. Confira abaixo:

Para entender a linha do tempo de Barbie, é preciso primeiro voltar para abril do ano passado, com a primeira foto (imagem acima) da atriz Margot Robbie caracterizada como a personagem. Como a única confirmada no elenco antes de todo mundo, o nome da icônica Arlequina de Esquadrão Suicida foi rápidamente associado a produção que ganhou expectativa e imaginação dos fãs de cinema.

No entanto, para os desbravadores desse mesmo mundo, um outro nome chamou a atenção: Greta Gerwig. A diretora de Lady Bird: A Hora de Voar já é conhecida do universo cult, e quando seu nome foi anunciado como parte da direção do filme que daria a boneca mais famosa da Mattel uma paleta realista, não faltaram perguntas para brotarem na mente de todos. Afinal de contas, sobre o que seria esse filme?

Foi só em 2023, quando a divulgação pesadíssima do filme começou a dar às caras. O ator Ryan Gosling foi anunciado como o Ken, as pessoas brincaram com o fato do filme estrelar ao lado de Oppenheimer de Christopher Nolan, e o marketing deixou o longa ainda mais famosa e crescente.

A cada dia em que o filme ficava cada vez mais perto, pessoas estavam compartilhando fotos suas com o Barbie Selfie Generator ou comendo lanches e visitando exposições inspiradas no longa. A verdade é que o cinema não vê um fenômeno gigante desses há anos, e promete ser uma das jogadas de marketing mais elogiadas dos últimos tempos.

Porém, o mérito não fica apenas nisso. Barbie não é apenas um filme de comédia inspirado na boneca Barbie, mas um olhar feminino e crítico sobre as imposições de gênero enraizadas na sociedade desde que o mundo é mundo.

Parte do que prova essa “teoria” é quando o filme começa, somos apresentados a Barbie de uma forma que referencia o clássico 2001: Uma Odisséia no Espaço, na cena em que os macacos interagem com o primeiro monólito. No lugar do monólito, no entanto, aqui surge a Barbie, uma percursora do aspecto femino comportamental dos últimos anos. Ou, parafraseando a frase uma personagem do live-action, uma responsável pelo “atraso do feminismo” depois de tantos anos.

Apenas nesta cena, já dá para entender que o filme não é uma simples comédia sobre dois mundos que colidem. Não é um filme onde a Barbie precisa passar despercebida pelos olhos humanos (embora toque de leve nesse elemento com a presença dos empresários). É um filme onde ideia bate contra a realidade quando a Barbie, objeto de fantasia do que mulheres devem e podem conquistar profissionalmente, se dá quando é colocada ao lado da realidade: no mundo humano e real, o homem branco é privilegiado em cargos de alta posição, colocando seus pares em cargos de alto escalão e perpetuando uma imagem de poder através de cavalos, esporte, poder aquisitivo e patriotal.

Para as “barbies” do mundo real, no entanto, sobra a frustração de uma vida desconexa ao desejo, às expectativas e exigências sobre ser uma mulher. Quando Barbie fica diante dessa realidade do cotidiano, ela sente que suas amigas barbies, assim como ela mesma, fracassaram com a nossa realidade de alguma forma.

A forma como o filme escolhe falar sobre as problemáticas é usando da inteligência do texto. O humor de Gerwig alfineta diversas vezes fatos reais que constam na vivência do mundo. Em uma cena onde as barbies se reúnem por uma problema da Barbie Genérica, elas mencionam falar mal da Barbie Estranha pelas costas dela; em outra cena, o Ken afirma ter todas genitálias, embora não deva nem saber o que é isso, faz apenas por mera validação; em mais outra, quando Aaron, um interno da Mattel, precisa falar com o conselho que decide as coisas da empresa, precisa repassar a mensagem através de cada homem num cargo superior ao seu antes.

Isso quando o filme também não é direto nestes enfrentamentos, sendo sincero e jogando limpo com todas as respostas que pode dar às diferentes consequências que apresenta.

Mas nada é mais tão lindo quanto observar o desenvolvimento de Barbie e Ken. Ambos possuem trajetórias distintas, com Ken apredendo sobre poder e dominação e Barbie focando no sentimental humano; esses elementos são o cerne da narrativa e definem o resto de todos os acontecimentos que culminam para a bagunça que se torna Barbielândia.

Por trás de todas essas camadas, se encontra uma aventura que soa quase como uma ópera musical (o que até chega a ser em determinado momento do filme). Mas Barbie é, em essência, um filme sobre gênero e uma crítica cuidadosa que usa seu material de inspiração como veículo para tratar da história que tornou Barbie o que ela é, e o que ela pode ser para o mundo. É um filme que faz o que David Gordon Green não conseguiu fazer com Halloween: continuar um produto já famoso e estudá-lo de uma forma que represente o que ele é em essência e o que ele significa para o público que o acompanha e interage com ele.

Do ponto de vista técnico, é um apogeu das artes cênicas. Existe um conflito e uma trajetória, questões pessoais trabalhadas em tela e a famosa quebra de quarta parede. As apostas são de que o filme, caso não se torne uma franquia dentro da Warner Bros, inspire ao menos peças de teatro ou musicias da Broadway.

Barbie já fatura em torno de R$ 84 Milhões no cinema nacional, se tornando a segunda maior estreia do cinema brasileiro da década e detentora da maior bilheteria de estreia do ano em 2023.

O filme está em cartaz nos cinemas.

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