Crítica | “American Fiction” é drama com comédia literal

Matheus Martins

Sendo um dos principais indicados na categoria de “Melhor Filme” para o Oscar 2024, American Fiction é um grande achado dos festivais de cinema do ano passado e que agora promete ganhar um pouco mais de notoriedade entre os adeptos do cinema graças ao seu lugar de prestígio.

O longa é uma “dramédia” dirigida pelo estreante Cord Jefferson e por Jeffrey Wright (Westworld), onde acompanhamos o escritor norte-americano Thelonius “Monk” Ellison em sua luta para se adaptar ao público moderno em contraponta a best-sellers estereotipados e uma série de barreiras colocadas pelo mercado tradicional. Um dia, após passar por alguns incidentes e munido por um jato de inspiração, Monk lança uma obra surpreendente cheia de humor àcido que cativa os donos das editoras. O único problema? Ele usou um pseudônimo para fazer isso!

Nós do Pixel Nerd já conferimos o longa indicado ao Oscar e temos a nossa critica à respeito. Confira:

Em filmes centrados em abordar uma grande crítica social, é natural que o enredo caia nas mãos enfadonhas de um dito cujo (ou de uma dita cuja) que queira passar uma grande mensagem, mas acabe se atrapalhando por causa da própria soberba e da vontade irresistível de tentar ser mais profundo do que é. Algo que aconteceu com o “chocante” Saltburn, mas que não acontece aqui com o primeiro longa-metragem de Jefferson, que é ao mesmo tempo tão ligado a sua proposta quanto qualquer outra coisa.

Batendo de frente com minha própria expectativa, quando sentei para assistir à American Fiction, fui surpreendido por uma comédia que começa leve e que evolui para sacadas geniais capaz de cutucar a desigualdade racial entre livros escritos por pessoas brancas e livros escritos por pessoas pretas. Caramba, até mesmo dizer que o filme apenas “cutucou” é um baita eufemismo, já que até durante os seus minutos finais, me vi de frente a um projeto que persistiu até o fim se seguir fiel ao seu MO (modus operandi).

No drama, Monk também lida com a perda irreverente do contato com sua família, do qual não se sente próximo ou completamente desconectado. É somente quando uma tragédia acomete os seus entes queridos que ele se vê forçado a entrar em contato com a mãe vítima de um possível alzheimer, do irmão gay recém-divorciado e de um interesse amoroso cheio de altos e baixos.

Ao mesmo tempo, ele possui a difícil missão de sustentar uma história complicada que pode prejudicá-lo: seu romance provocativo, “Minha Pafologia” precisa que Monk minta uma identidade que não é sua e que corresponde mais a uma visão branca da sociedade do que ao que de fato pessoas pretas querem passar.

Para cumprir a tarefa de contar essa história, o roteiro alterna entre o cru e o real (Me dê algo realista!) e com piadas que não estão ali meramente ensaiadas. Chega a um ponto em que o próprio texto rasga a maneira hollywoodiana de contar piadas, ora dizendo odiar o tom de perguntas cínicas e a maneira eugenista com que histórias são polidamente contadas apenas para satisfazer o público. Não espere por piadas que soem apenas espertinhas, mas um conteúdo que é capaz de abrir um sorriso de orelha a orelha munido de muita matéria genuína.

Mas não é só por causa do humor que as coisas dão certo em American Fiction. O drama também faz jus se atendo à regra do diretor de não usar o simples, o blasé ou o genérico para impactar seus espectadores, tanto que logo de cara, as reviravoltas são tantas que demonstram que as mãos por trás do roteiro investiram pesado em não se enrolar para contar para o que veio, muito menos se acovardar para tentar enviar um final falsamente genial.

Uma salva de palmas para o elenco do filme que também surpreende pela maestria com que traz a vivacidade e as cores que os persoagens tanto precisam: Jeffrey Wright cuja maneira incisiva com que adapta seus personagens, e que aqui põe toda sua nudez em Monk; Issa Rae no papel da escritora best-seller; Sterling K. Brown por representar o irmão incisivo e contraposto de Monk, além de outros que trouxeram a delicadeza de suas minuciosas partes dessa tapeçaria tão bem fundamentada.

Embora Hollywood tenha pouco histórico em acender seus holofotes sobre produções subestimadas, fica aqui a torcida para ao menos uma estátueta para essa ficção-norte americana de peso.

Filme: American Fiction.

Direção: Cord Jefferson.

Elenco: Jeffrey Wright, Issa Rae, Sterling K. Brown, Erika Alexander, Tracee Ellis Ross, Adam Brody, John Ortiz, Leslie Uggams, Keith David.

Nota: 10,00

American Fiction ainda não tem data de estreia para chegar ao Brasil.

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