O que a franquia Pânico pode aprender com Chucky?

Matheus Martins

Desde a morte de Wes Craven, a franquia e o legado de um dos maiores mestres do horror vem lutando para se manter de forma agradável para os fãs de horror. Por essa razão, Pânico (1996) tem sido ambos agradável e desagradável em muitos sentidos. Com uma trilogia quase perfeita (das três obras primorosas, Pânico 3 é quase perfeito), o filme conseguiu continuar seu reinado como um dos melhores thrillers de slasher mesmo onze anos depois com Pânico 4.

Porém foi em 2015 (mesmo ano da morte de Craven) que a franquia protagonizada por Neve Campbell deu o que foi considerado por muitos fãs o “tiro no pé”: a série Scream feita para a Netflix e com episódios semanais lançados no canal MTV. Criada por Jill E. Blotevogel, Dan Dworkin e Jay Beattle a produção com dez capítulos trouxe a história de Emma Duval (a nova “Sidney Prescott”) em uma pacata cidade com um reinado de horror: há vinte anos atrás, Brandon James, um jovem de rosto deformado matou uma dúzia de estudantes no dia do Baile de Verão. E muito embora no tempo atual nada Emma tivessa a ver com isso, inúmeras mortes passam a acontecer remetendo a matanbça do passado.

A série teve duas temporadas (a primeira exibida em 2015 e a segunda em 2016), mas desagradou boa parte do público por inúmeros motivos: o elenco original não estava atrelado a produção, o roteiro era pecaminoso e a ideia, que podia meramente funcionar e arrastar a franquia como vemos tantas outras séries do catálogo da Netflix para várias temporadas, além de mal executada não funcionou quando os criadores não tiveram coragem de matar seus queridinhos. E mesmo que alguns tivessem adorado o sarcasmo presente em Brooke Maddox (Carlson Young) ou os monólogos metalínguisticos de Noah Foster (John Karma), ao que tudo indica ninguém engoliu a ideia de que Emma, Brooke e Noah poderiam ser os novos Sidney, Gale e Dewey.

Com o cancelamento previsível da série e um reboot de 2019 que ninguém ouviu falar, os fãs só puderam voltar a gostar do Pânico por quem estavam apaixonados em janeiro de 2022 com Pânico, o novo e melhorado filme com novos personagens criados por Matt Bettinelli-Olpin e James Vanderbilt. Agora as irmãs Tara e Sam Carpenter se veem nas garras de um novo assassino em Woodsboro. Apesar de parecida, a história é completamente diferente do original de 96: a primeira vítima sobrevive e cada um dos mortos possuem uma correlação com os primeiros jovens assassinados tantos anos atrás. Há regras nesse novo jogo, especialistas no assunto como Mindy Meeks (Jasmin Savoy Brown), Dewey, Gale e Sidney, e, como se não bastasse, uma das irmãs, Sam, está tendo visões com Billy Loomis.

O filme encheu os fãs de orgulho, ao passo que definiu uma nova franquia já aclamada pela crítica e com mais um filme previsto para 2023, mas será que toda essa perfeição signifique que o legado deixado por Craven não poderia ter aprendido alguma coisa com outra franquia de filmes conhecida do mesmo gênero? Claro que não estamos falando de Halloween, que não só não conseguiu honrar os fãs do legado de John Carpenter como também se tornou uma aberração mal avaliada que chegou ao final em um terrível terceiro ato com Halloween Ends. Não, vamos deixar o “primo feio” dos filmes slasher com assassinos mascarados e focar em outra franquia de horror mais voltada para algo mais pequeno e (que só aparenta) ser inofensivo: Chucky.

Criado em 1988 por Don Mancini, e com o primeiro filme sendo direcionado pelo cineasta Tom Holland, a franquia do brinquedo assassino também é uma obra prima que sobreviveu por décadas (até mais do que Pânico) com sua própria carga de gritos, sangue, facas e reviravoltas pelas quais os filmes de slasher ficaram tão conhecidos. Chucky, um boneco legal feito para crianças, aparentemente alegre e inofesivo, na verdade carrega a alma do assassino em série Charles Lee Ray. Charles é inescrupuloso, medonho, perspicaz e ridicularmente sagaz nos seus comentários (sim, ele fala); uma contrapartida ao Ghostface, o assassino com um capuz e máscara de fantasma que mata sem dizer uma palavra sequer antes de tirar a vida de suas vítimas. Ele poderia ser bastante distinto do monstro criado por Craven se não carregasse a sua própria pilha de corpos e fãs que degustam de suas produçõs atuais. Sim, assim como Pânico, Chucky também está entre uma das produções consideradas como melhores do gênero. E digo mais, poderia até ensinar os envolvidos nessa nova geração de filmes de Pânico a como carregar um legado de décadas.

O ‘Ghostface’ da série Scream, exibida entre 2015-2016

Se Mancini fosse um suicida no que diz respeito a carregar um legado de filmes slashers (e consequentemente de horror também) por tantos anos, ele teria seguido os passos de tantos longas de terror que estamos acostumados a ver nas telonas. Quem aí já não cansou dos tantos filmes de Invocação do Mal? Ou de Annaballe? As várias revisitações a Exorcista e qualquer filme com tanto jump-scare inserido nele que praticamente ofende a audiência ao dizer que eles não estão preparados para nada além de uma produção de duas horas e meias da mesma história: existe o mal, existe aqueles que não acreditam no mal, então existe as ações do mal que assustam tanto que passa a ser impossível não acreditar no mal. O que é um racíocinio burro porque quando os protagonistas entendem essa última lição já é tarde e os minutos finais do filme estão correndo feito água. Por essa e tantas razões, as pessoas acham essas mesmas franquias desagradáveis. Mas tudo bem, porque em contrapartida a isso, o tempo e a nova era no cinema abriu portas que possibilitaram algumas produções a seguirem caminhos distintos dessa mesma leva de filmes.

Chucky possui um total de 7 filmes, um curta-metragem de 2005, uma tentativa de reboot de 2019 e uma série atual com duas temporadas (calma, já chegaremos lá). Some-se a isso e temos dez produções e um legado de trinta e quatro anos do boneco assassino ruivo tacando o terror. Essa história poderia ser entediante. Chata, repetitiva, não-supreendente… quem sabe até mesmo uma ideia não revolucionária com uma parcela da audiência que já desistiu de ver sentido toda vez que algo “novo” é feito. Mas não é assim. Para cada filme novo de Chucky, Macini inova a fórmula mantendo o mesmo personagem sanguinário, brincalhão, nefasto e sem sombra de dúvidas livre. Os três primeiros títulos podem ser até uma trilogia fechada, mas A Noiva de Chucky expandiu o universo do espírito obsessor de Charles Ray, e mesmo que O Filho de Chucky possa ser ridículo de tantas formas, nós vemos que com o tempo se encarregou de tornar aquilo que poderia ser considerado gore numa coisa fenomenal. Pois com A Maldição de Chucky (2013), O Culto de Chucky (2017) a Chucky – A Série (2021), valeu a pena passar por tantos anos de divulgação capenga para chegar aqui. Chucky largou os filmes repetitivos sem sentido para se tornar uma obra-prima do streaming.

E por mais que Pânico seja amado, não podemos falar o mesmo com a dupla de diretores ainda insistindo em implacar nos blockbusters. Não é uma ideia ruim, mas poderia (e, se for bem orquestrado, ainda pode) se tornar uma ideia ainda melhor seguindo os passos sinuosos do pequeno assassino da série do Star Plus.

Chucky em sua nova série para o Star Plus

Sim, Chucky funciona. Apesar dos pesares, apesar do gore e das críticas de sites especializados como Plano Crítico perderem tempo destilando o desgosto em uma tela branca, a grande verdade é que Chucky é uma série acima de tudo ousada. As aberturas que mudam a cada episódio são maravilhosas. Os plots são bem amarrados e nem mesmo o clichê presente em alguns personagens consegue apagar isso. Mancini não tem medo de matar ninguém (algo que demonstra logo nos primeiros episódios da série) e se é de uma explosão que o show precisa para continuar, faz isso sem se importar que estejamos na metade dele. A revelação de que (spoiler!) existe literalmente uma legião de Chuckys por aí e que todas essas almas estão entrelaçadas é a imortalidade que só uma obra como essa pode proporcionar. Chucky não precisa ter medo de ser renovada porque é inteligente e sabe utilizar essa esperteza para criar diálogos metalínguisticos que referenciam tanto a série em si quanto o mundo lá fora (Michael Myers nunca poderia dizer que tem um filho gender fluid, desculpe). A introdução de personagens de outros filmes da franquia e o “romance” de Tiffany com Nica é simplesmente uma coisa linda e esquisita de acompanhar com os olhos, do jeito que tem que ser.

Anteriormente, eu disse que Scream não funcionou por tentar fazer de Emma, Brookie e Noah os sobreviventes da vez. Chucky não precisou criar essa atmosfera. Sozinhos, Jake, Lexy e Devon são os ancestrais adequados da final girl Sidney Prescott, da repórter Gale Weathers e do policial-xerife Dewey Riley.

Ao invés de continuar desenvolvendo mais filmes de “Facada”, os encarregados em continuar criando novas gerações da obra criada por Wes Craven deveriam, em algum ponto, decidir fazer da franquia Pânico uma série de novo. No entanto, nesse caso exigido um porém: ao invés de apagar a existência do Ghostface original para colocar aquela bizarrice de Brandon James como foi feito em Pânico, a audiência deveria continuar a assistir o desenrolar da trama em Woodsboro. O suburbio marcado para sempre pela vingança de Billy Loomis deveria ser mais explorado. Quem são os seus residentes? O que as pessoas que viveram ali pensam de seus assassinos que, entra ano, sai ano, sempre retornam? Quais as dificuldades pelas quais uma cidade que tem em cada canto o sangue de dúzias de inocentes? Acho que cada fã da franquia deve imaginar o mesmo que eu imagino: um dia o terceiro ato vai deixar de nos surprender. Seus killers e motivações, que apesar de serem irresístiveis (não estou falando com você, Ronan) serão elementos de ruína de algo tão bem construído ao longo desses vinte e seis anos.

A segunda temporada ainda está lançando episódios semanais que chegam depois de algum tempo aqui no Brasil. Nessa nova temporada, acompanhamos Jake, Lexy e Devon presos em um reformatório católico depois de um incidente explosivo.

Pânico 6 chega aos cinemas no dia 10 de marrço de 2023 e deve levar as irmãs Carpenter para Nova York, onde um novo assassino começará a contagem de corpos. O longa contará com a participação de Hayden Panettiere do quarto filme da franquia que retorna para o papel de Kirby Reed.